Pode-se agora reportar ao outro lado do desamparo, como estruturante do
psiquismo, e levar outra importante questão da relação com o objeto.
Partindo do pressuposto teórico de Rocha (2012), “no inicio da vida não
haveria objetos internos e nem externos, apenas objetos subjetivos” (p. 42),
portanto, a mãe é o próprio ambiente do bebê e esse a sente como objeto
subjetivo. Tomando-se por base essa tratativa, o bebê tem por sua existência, a
existência da mãe ou como o foi amparado, prossegue assim o processo de
construção de si mesmo tendo como base este objeto externo, mãe. (ROCHA, 2012).
“Fala-se aqui da possibilidade da construção de um self que estará para sempre ancorado na lembrança dos primeiros
cuidados maternos”. (ROCHA, p. 42).
Para Winnicott (1956/2000) esses cuidados maternos expressam-se com
bastante dificuldade, já que não provém de um processo natural, uma vez que, a
mãe se depara a um estado que este a chamou de “Preocupação Materna Primária 1”.
Com relação ao desenvolvimento do bebê, Winnicott (1956/2000) salienta:
A
mãe que desenvolve esse estado ao qual chamei de ‘preocupação materna primária’
fornece um contexto para que a constituição da criança comece a se manifestar,
para que as tendências ao desenvolvimento comecem a desdobrar-se, e para que o
bebê comece a experimentar movimentos espontâneos e se torne dono das sensações
correspondentes a essa etapa inicial da vida. (p. 403).
É por meio dessa possível sensibilidade e operatividade da mãe que o
bebê irá reagir e, é diante dessa relação que se inscreverão as representações
desse infante, “sobretudo, um movimento de comunicação primitiva entre a mãe e
seu filho”. (ROCHA,2012, p. 37).
Voltando a Freud (1926[1925]) em uma das suas tentativas de expor a
origem da ansiedade, faz uma relação ao nascimento e retrata a inexistência de
conteúdo psíquico na criança recém-nascida e, impõe que grandes somas de
excitação se acumulam, promovendo o desprazer, no entanto, alguns órgãos
adquirem maior investimento, o que prediz ao investimento objetal que logo se
concretizará.
Esse mundo de excitação sensorial, pulsional e interno do bebê refletido
no mundo interno da mãe, prossegue a comunicação primitiva entre os dois que
brotarão as mais ricas experiências para o bebê, que, segundo Rocha (2012)
desembocará na identificação, marcado pelo lugar essencial que a mãe ocupará
nesse espaço original e servirá de abertura para a experiência narcísica.
No texto Três Ensaios Sobre a
Teoria da Sexualidade (1905), Freud diz que, “durante todo o período de
latência a criança aprende a amar
outras pessoas que a ajudam em seu
desamparo e satisfazem suas
necessidades, e o faz segundo o modelo de sua relação de lactante com a ama
e dando continuidade a ele”. (p. 210,
grifos meus). E, em Sobre o Narcisismo:
Uma Introdução (1914), Freud retrata que “os primeiros objetos sexuais de
uma criança são as pessoas que se preocupam
com sua alimentação, cuidados e proteção”. (p. 94, grifos meus).
Deparando-se com a prematuração humana e a separação da mãe diante do
nascimento, o bebê age alucinatoriamente em busca de satisfazer suas
necessidades baseado nas marcas do psiquismo, decorrentes as experiências de
satisfação anteriores promovidas pelo objeto externo. (ROCHA, 2012). No escrito
Formulações Sobre os Dois Princípios do
Funcionamento Mental (1911), Freud formula que, quando o bebê abandona a
atividade alucinatória se institui o principio de realidade, porém,
permanecendo submisso ao principio do prazer, uma vez que, o último domina
todos os processos psíquicos, o que pendura na vida adulta a recompensa por
tudo que se faz.
O objetivo aqui não é aprofundar na teoria dos dois princípios do
funcionamento mental, mas sim, trazer a importância da relação com o objeto
externo, e sua relevância para o desenvolvimento humano por um prisma do desamparo
e da dependência deste.
O progresso que a
criança alcança em seu desenvolvimento – sua crescente independência, a divisão
mais acentuada do seu aparelho mental em várias instâncias, o advento de novas
necessidades – não pode deixar de exercer influência sobre o conteúdo da
situação de perigo. (FREUD, 1926[1925], p. 138).
Este perigo se dá pela perda da mãe como objeto e a sua relação com a
castração, a nível que, há uma identificação com esse objeto para configurar o
plano do superego e “a ansiedade de castração se desenvolve em ansiedade moral”.
(FREUD, 1926[1925], p. 138). Em o Projeto
Para Uma Psicologia Científica (1950[1985]), Freud já havia enunciado essa
questão quando se tratava da Ação
Especifica.
Ela
se efetua por ajuda alheia, quando a
atenção de uma pessoa experiente é voltada para um estado infantil por descarga
através da via de alteração interna. Essa via de descarga adquire, assim, a
importantíssima função secundária da comunicação,
e o desamparo inicial dos seres humanos é a fonte
primordial de todos os motivos morais.
(p. 370).
Na medida em que o ego vai se desenvolvendo, as situações de perigo mais
primitivas tendem a decair, à proporção que, cada período da vida do ser humano
tende a haver sua ansiedade especifica, portanto, “o perigo de desamparo
psíquico é apropriado ao perigo de vida quando o ego do indivíduo é imaturo”.
(FREUD, 1926[1925], p. 140).
1 Estado em que a mãe se depara a
uma sensibilidade exacerbada durante e principalmente ao final da gravidez com
duração de algumas semanas após o nascimento do bebê. Essa condição poderia ser
uma doença caso não existisse uma gravidez, uma vez que, é comparada a um
estado de retraimento e dissociação, ou um distúrbio num nível mais profundo.
Dificilmente há recordação depois que passa esse estado, e essa tende a ser
reprimida.
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